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4 - 6 minutes readMemórias – A nostalgia de um barbado

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Por Robson Cardoso dos Santos

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Ah, como foi bom ter conhecido Xena Warrior Princess na época de ouro da série! Bendita hora em que meu pai contratou o serviço de TV por Assinatura aqui em casa! Meados dos anos 90… Mamãe, certamente a pessoa menos patriota que virei conhecer na minha vida, praticava naquela noite seu ato de contradição cultural ao procurar um programa que fosse dublado para a família toda assistir enquanto o jantar era servido. Os dedos corriam ágeis pelas teclas do controle-remoto. Cara de tédio, nojo, raiva. Muitas caras. Canais pagos e nada de bom para se assistir, ela chiava… Um pequeno luxo que a classe média podia se dar sem peso na consciência (ou seria orçamento?) Grito. Panela em erupão no fogo. O controle ali, jogado de lado. Por um instante pensei se eu devia continuar a busca de mamãe, operando o bicho. Mas, ao erguer o olhar para a TV, notei que a busca terminara…

USA Channel no cantinho da tela. Um logotipo bem bonito, um USA com uma estrela encaixada no lado superior direito. Acostumado com Globo e SBT, sorri. Adeus, novelas! Adeus programas de auditório baratos! Olá, Xena Warrior Princess!

19:00. Jantar servido. Que voz linda tinha aquela moça de franjinha preta! Claro que eu sabia que não se tratava da voz natural dela. Eu era um garoto muito esperto para minha idade de 10 anos. E que olhos azuis brilhavam naquele rosto! Agarrei-me ao controle e desejei que não pedissem por ele.

Meus pais, engrenados no seu habitual “como foi seu dia” nem perceberam que o filho deles acabara de encontrar ali mesmo, diante daquela TV, a primeira coisa que teve certeza de amar na vida. Já vi muitas vezes Chariots of War, mas a primeira vez a gente nunca esquece!

A semana corria, e eu corria do colégio pra casa. Fim de tarde. Banho tomado, lição de casa caprichada, espera pela janta. Fome de Xena. O garoto magrinho ganhava massa, aquela mesma massa que ficava entre os dedos da velha tia montada em perfume e maquiagem que apertava minha bochecha e gritava louca de prazer “Fofura!”. Eu estava saudável.

Era Xena, era Gabrielle, era o chakram que Xena pegava no ar, tão estilosa. Eram as lutas, as músicas. Não tardou que meus pais notassem minha obsessão pelo show. Meu pai garimpava coxas e peitos em tudo que assistia, e com Xena não foi diferente. Prato cheio pra ele. Hoje entendo por que mamãe preferia que meu pai sintonizasse o noticiário. Ali pelo menos a estrutura do casamento mantinha-se de pé.

Mamãe via nas paisagens da Nova Zelândia o local adequado para a casa de campo em que sempre sonhou morar. Enquanto meus pais assistissem Xena, cada um procurando na série o que mais queria encontrar, eu me deixava levar pelo que aquele programa poderia fazer comigo. Minha paixonite pela série não se tratava de uma coisa hormonal como no caso de meu pai. Era algo espiritual, maior que eu, coisa que na época eu, por mais maduro que fosse, era incapaz de compreender.

Tchau pros amigos, pras brincadeiras de rua. Eu na frente da TV pontualmente. Se meus pais e eu nunca tínhamos que sair às vezes, para visitas de fim de tarde, lá estava eu, sentadinho diante do USA Channel do anfitrião. Sacrifice II foi a adaga no meu coração! Esperar pelo dia seguinte para ver o que se sucederia… O prazer agridoce de amar XWP. E a má notícia de novembro: véspera de Dia de Finados, meus pais queriam me levar para o cemitério para ajudá-los a limpar as folhas secas que jaziam em volta dos túmulos de nossos familiares. Eu sabia que esse “limpar” consistia em apanhar a vassoura e meter a nossa sujeirada para detrás dos túmulos próximos. Numa ousadia não esperada vinda de mim, bati o pé e disse que queria porque queria ficar em casa. Chorei feito bezerro desmamado. De certo modo, a sobrevivência de Gabrielle dependia de mim diante de XWP aquela noite! Eu era um guerreiro, como Xena, e aquela batalha eu ia ganhar! Papai admirou-se com seu filho único querendo mostrar-se homenzinho e permitiu que eu permanecesse sozinho em casa, discursando sobre caráter e responsabilidades de adulto.

Me deparar com Sins of the Past às 19:00 daquela noite foi chocante em sentidos muito amplos. A série teria acabado comSacrifice II? Acabei me convencendo de que era isso mesmo, e fui me deliciando com o primeiro episódio da série, que até então eu não assistira.

Xena marcou. Xena marca. A melhor época da minha infância, adolescência, vida. Não cheguei a conhecer nenhum outro xenite de perto, por isso compartilhei de muitas doses dessa minha droga benéfica com alguns amigos. O nome da minha melhor amiga atualmente e na ocasião? Gabrielle!!! Ela, a primeira namorada também, e a sogrona adorava Xena por causa da personagem que levava o nome da caçula dela! Brincávamos de XWP com toda a sucata que podíamos arranjar, e tínhamos afeição por elas! Armas de estimação! Era tirado no par-ou-ímpar quem seria Xena, Gabrielle, Ares, Joxer (esse ninguém queria ser!), Callisto, Hercules, e muitas vezes éramos uma personagem do sexo oposto, o que rendia muitas risadas.

Hoje em dia, tantas modinhas de momento. É um tal de “Hoje eu amo, amanhã não quero mais”. Comigo e com Xena não foi assim. A despeito do que minha família dizia, continuo assisitindo Xena, mesmo depois de tantos anos. Se vou à praia, se me hospedo no campo, a tiracolo vai um DVDzinho com alguns episódios. Terapia particular, costumo dizer.

Minha febre de Xena não passa. Contraditório para alguém que se diz saudável desde que conheceu Xena, não? Aliso minha barba hoje e lembro do tempo em que meu queixo liso era testemunha das aventuras inéditas de Xena na TV brasileira… Acho que vou me barbear agora! Até a próxima.

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