Crônicas

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    –  by Aryane Mello

 

A vontade de permanecer ali, quieta, coberta por todos aqueles panos escuros que escondiam a luz do dia, era maior do que a força de levantar-se, jogar uma água fria no rosto e recomeçar sua vida.

Anna se sentia quebrada e aquele remédio que haviam lhe dado para poder pegar no sono parecia ainda fazer efeito, já que ela não conseguia abrir os olhos por inteiro.

Era dia… Mas ela não sabia bem qual dia era. Há duas semanas ninguém a deixava sozinha. Todos tinham aquele típico medo de que ela tentasse suicídio cortando os pulsos. E mesmo que Anna pedisse, implorasse para que dessem um pouco de espaço, não concediam.

Não se lembrava de quando pegou no sono e muito menos, como foi parar na cama. Talvez algum tio ou vizinho preocupado ajudou a carregá-la e enfiá-la embaixo daquelas mantas calorentas.

Agora o sol já inundava o quarto, sorridente. Porque para o sol, todos os dias são iguais. Ele aparece, vai subindo, depois some e isso nunca muda, mesmo que o mundo tenha acabado para alguém, como acabou para Anna.

Sentiu seu corpo duro, ainda meio dormente e finalmente conseguiu descolar os cílios amarelados por causa das lágrimas que derramara em meio a algum pesadelo. A luz fez seus olhos doerem, como se apreciassem a escuridão. Com a visão ainda meio turva, caminhou em passos lentos até o corredor, achando imensamente esquisita a falta de pessoas ao seu redor. Na cozinha, o cheiro era de alvejante e não de queijo derretido, como em todos os outros dias. Então, suspirou, imaginando que finalmente poderia apreciar a solidão e ninguém teria feito café naquele dia.

Ela não sentia fome. Na verdade, o estômago de Anna não pedia por comida há dias. Porém, as pessoas insistiam constantemente que ela engolisse algo a contra gosto.

Sentou-se no sofá colocando as pernas embaixo do próprio corpo, encarando a tela escurecida da tv. Não lembrava da última vez que conseguira focar sua atenção em algum programa. Anna tinha a estranha sensação de que tinham desligado algum interruptor em seu corpo sem aviso prévio. E, honestamente, ela não fazia questão de que o ligassem novamente.

Estranhamente, pousou seu olhar em cima do controle remoto, o que a levou a apertar o botão vermelho. Aquele chiado de TV antiga era o único barulho existente no local.. Fora os passarinhos que cantavam lá fora, lógicamente. Mas Anna não ouvia mais esse tipo de canto.

Foi apertando o botão para mudar de canal que então, Anna, se interessou por uma imagem fora do comum. Seus olhos esbugalharam ao notar que alguém parecia sofrer da mesma forma que ela sofreu por todos aqueles dias. Aquilo parecia um espelho, um espelho de sua vida, de sua dor, de sua perda…

 

Anna percebeu que a jovem loira que vivia em uma época distante da sua, também necessitava de vingança. Exatamente como ela, que queria poder vingar a morte da mãe comprando uma arma de fogo e sair pelo mundo atrás do infeliz que tirou a pessoa mais importante da vida dela

Nada mais fazia sentido para Anna. Sua namorada não saia mais de sua casa, tentando fazê-la sorrir de alguma forma… Era uma perda de tempo fazer Anna sorrir. Nada mais tinha alegria para ela. Era como se o mundo tivesse perdido todas as cores, sabores e prazeres. Anna abandonou sua faculdade, suas aulas de piano e não queria mais saber dos carinhos de Isabela.

Agora, incrivelmente algo conseguiu despertar as emoções de Anna. Aquelas emoções que ela havia perdido e pensava não ser mais possível recuperar. Anna chorou a cada minuto do episódio do tal programa que passava naquela hora.

Quando os créditos subiram,tocando uma música maravilhosamente incrível, Anna parecia ter chorado por uma vida inteira. Seu pijama estava com a gola toda molhada de água salgada e seu rosto estava tão inchado, que ela parecia ter sido picada por centenas de abelhas ferozes.

E então, num súbito momento de descoberta, Anna riu. Riu da própria tristeza. Riu dos momentos em que passou trancada dentro de casa, sem ligar para as pessoas que a amavam e estavam ali para ela. Riu, ao lembrar de Isabela, que era o seu verdadeiro amor e que havia tentado por diversas vezes fazer Anna sair daquela bolha de depressão.

Anna secou seu rosto, sentindo agora seu corpo mais mole e seus olhos finalmente bem abertos e puxou o telefone, discando rapidamente o número que encontrou na lista telefônica.

 

– Por favor, eu precisava saber o nome do programa que estava passando agora a pouco na emissora de vocês… – a voz dela ainda estava um pouco fanha por causa das lágrimas – Ah! Eu não sei direito… – ela parecia confusa – Vocês não tem aí uma programação? Eu só quero saber o nome! É importante que eu saiba o nome! – o moço devia achar que estava falando com uma louca – …Não sei bem, tinha um loirinha e uma morena, de olhos azuis.

E então, Anna sorriu ao descobrir que o atendente tinha finalmente descoberto qual era o tal programa

– Obrigada, moço! Xena, A Princesa Guerreira acaba de mudar a minha vida!

 

 

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