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11 - 16 minutes read15 anos da Princesa Guerreira!

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Por rOB

 

Por onde andei durante essa década e meia

 

Atingir a marca de quinze anos de vida é uma conquista que todos nós comemoramos enlouquecidamente. É o início do nosso adeus à adolescência, e o primeiro degrau para embarcarmos na fase adulta. Juventude, toda uma existência pela frente… Mas o que você diria se eu te dissesse que nós vamos falar aqui sobre as “15 primaveras” não de uma pessoa, mas sim de um seriado de TV?

 

Eu tinha 9 ou 10 anos, lá em 1997, quando me deparei com Xena – a Princesa Guerreira pela primeira vez. A série estreara nos Estados Unidos em 4 de setembro de 1995, e tinha levado um tempinho para chegar a terras brasileiras. Primeiramente foi exibida nos mais diversos horários dentro do canal de Sílvio Santos, o SBT (de início às quintas-feiras à noite, depois aos domingos pela manhã). Como a poderosa Rede Globo viu que Xena Warrior Princess estava se tornando uma ameaça à audiência de seus esportivos dominicais, ela resolveu comprar os direitos de exibição nacional da série e alojou-a nos finais de tarde de um de seus canais do grupo Globosat, o USA. E Xena então brilhou…

 

Se os episódios passavam no SBT com cortes por causa da violência e do teor erótico de algumas cenas, no USA Channel a censura fez vista grossa para XWP: os episódios iam ao ar exatamente como eram produzidos! E como eram boas aquelas tardes!

 

Na época que eu estudava no período matutino, restava a tarde inteira para brincar na rua. Mas fosse a brincadeira que fosse, não importava com quais melhores amigos eu estivesse, quando o relógio marcava 19:00 eu largava tudo e todos e corria para minha companheira Xena – a Princesa Guerreira! Até às 20:00 a televisão era minha, e eu deixava essa certeza bem explícita com o controle-remoto batendo nos dentões da frente, na ameaça de engoli-lo caso alguém se aproximasse. Era um hábito sagrado abraçar os joelhos sentado no chão na frente do sofá para assistir Xena de segunda à sexta. E quando comecei a ir para o colégio no turno vespertino, eu me atirava pra fora da sala de aula aos trancos e barrancos às 17:30 para poder estar em casa com Xena quando seu horário passou a ser às 18:00.

 

O primeiro episódio que vi foi 1×02 – Chariots of War (Paz na Terra), e esbarrei nele por acidente: televisão por assinatura era um luxo doméstico em 1997, e numa bela noite minha mãe pulava de canal em canal, praguejando que não havia nada nessa tal de TV a cabo para se assistir na hora da janta. Ela queria parar num programa dublado, a fim de que não precisasse ficar olhando para legendas enquanto preparava a comida. E quando finalmente escutou vozes em idioma português-Brasil, ela largou sua busca: era o canal 43 da Net, que tinha um belo logotipo USA com uma meia estrelinha azul encaixada no “A”. De repente, eu não estava mais piscando…

 

Na tela, uma mulher a cavalo dava saltos de alturas absurdas, chutava infelizes, salvava criança e arremessava um lindo objeto circular feito de metal, que fazia estragos aonde batia, e voltava para sua mão numa pegada certeira! E como eu vibrei com a sonoplastia desse objeto cortando o ar, e ricocheteando nas coisas: era firme, era forte, imponente, singular! Depois que minha adrenalina foi baixando – sempre me dispara o coração qualquer cena de ação -, eu passei a reparar melhor na aparência da mulher… aquele rosto quadrado tinha duas safiras cravejadas nele! Aqueles olhos tão azuis quanto o céu que servia-lhe de pano de fundo me atingiram como um raio de Zeus: contrastavam com sua pele clara, lábios rosados e um cabelo muito, mas muito preto com franja e esvoaçante. E falando em preto, o que era aquele couro que a guerreira usava? Armadura toda artesanal embutida no busto, abdômen e costas. Os braceletes, as botas, tudo tão agressivo montando a imagem daquela pessoa. E, claro, ela carregava uma espada! Uau!

 

 

Dali para a frente, foi só subida: Xena – a Princesa Guerreira me conquistava mais a cada episódio: num dia, ela estava enfurecida no meio de uma batalha arrasadora; no outro, aparecia sorridente relaxando como que em férias; depois, ia derramando algumas lágrimas em cenas dramáticas com valiosas lições de vida, ou seja, conseguia agradar a todos os humores de uma mesma pessoa. Xena era assim: uma montanha-russa de emoções, luminosa e sempre convidativa para um passeio nessa mitologia tão própria que ela criara para si. E digo montanha-russa como uma metáfora bem cara de pau mesmo, porque a série teve seus altos e baixos, como toda obra tem, mas eu penso que fã que é fã acompanha de qualquer jeito. E eu estava lá, do lado de Xena – a Princesa Guerreira, e eu nem me dava conta de que era seu fiel escudeiro! Acredito que essa série foi a primeira coisa da minha vida que eu tive a compreensão e a certeza de que amava.

 

Xena era pop! Ela montava uma égua linda, era curandeira, conhecia a cultura das amazonas e dos centauros, envolvera-se com o romano Júlio César, desprezava os deuses… Coisas que, para nós mortais do século XXI, são fantásticas, e Xena também era mortal, mas encarava todas essas alegorias da Antiguidade com uma tranquilidade tão charmosa! Pessoas e situações da série que para nós assumem a forma de tudo que mais queríamos ter para nos livrar do tédio da vida moderna, a Xena via como rotina, apenas mais um dia de trabalho!

 

Só que eu, mesmo pequeno, já tinha ciência de que o foco do show não era o fator Xena linda, estilosa e boa de briga: eu sabia que havia uma razão para ela viver aquele tipo de dia a dia, e que não devia ser nada fácil estar em sua pele. Ser quem ela era, estar viva dentro daquela mente cheia de lembranças de pecados e crimes passados, funcionava como o purgatório para a alma dela, e ela aceitava isso porque entendia que só estava colhendo o que plantara. Mas sua solidão se resolveu quando ela permitiu (meio a contragosto, desconfiada) que a camponesa Gabrielle, dócil, falante, indefesa e pacifista, a acompanhasse em suas jornadas. GARANTO que qualquer fã já desejou estar no lugar de Gabrielle, oferecendo sua amizade à Xena, querendo aprender tudo que ela se dispusesse a ensinar, olhando para Xena não pelo que ela fôra ontem, mas pelo que ela decidira ser hoje e por tudo que ela decidira que ainda precisava se tornar amanhã. E como não identificar-se com personagens assim tão humanas?

 

A primeira vez que eu, molequinho, fiquei sozinho em casa, foi por causa de Xena. Toda sexta-feira era dia da família sair pra fazer rancho no supermercado, e houve uma ocasião em que precisei peitar minha primeira batalha pela Princesa Guerreira: no episódio anterior (o da quinta-feira), eu tinha ficado com o coração na mão diante de uma Gabrielle caindo no poço de lava. Então, naquela sexta-feira, mais do que nunca na minha vida, eu simplesmente NÃO PODIA estar fora de casa às 19:00, eu PRECISAVA SABER o que aconteceria depois! Passei a tarde andando em círculos, arrancando os cabelos, roendo unhas, tentando bolar o parágrafo que eu usaria para abordar meu severo pai sobre minha “decisão” de não ir com ele e mamãe ao mercado. Afinal, eu era um homem ou um Joxer? Quando toquei no assunto, já preparado pra bater o pé, fazer beicinho e declamar inteirinho meus direitos segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, meu pai me olhou com um sorrisão de “Meu homenzinho!”, e permitiu numa boa que eu ficasse sozinho, sob protestos de minha mãe. Acho que ele até se dava por muito satisfeito de ver que o filho dele, tão jovem, já estava precocemente obcecado por uma mulher gostosa como Xena! E quando o relógio deu 19:00, passou 1×01 – Sins of the Past, que até então eu nunca tinha assistido, e achei que a série acabava pra sempre com a morte de Gabrielle! Fiquei num delirante choque convulsivo. Inocência infantil e falta de informação de que a 4a temporada demoraria um pouquinho a chegar.

 

Barbaridade de bom ter passado minha infância na época de ouro de Xena na TV brasileira! Na época, eu nunca pude compartilhar minha paixão xenite, porque ninguém que tinha conhecimento da série mostrava-se interessado em ser devoto dela como eu era (nem minha mãe, que assistia junto comigo). Assim sendo, fui um solitário em meus rituais: brincar com os bonecos de Xena, Hércules e Iolaus comprados no 1,99, e manter meus “diários”, onde eu escrevia os acontecimentos de cada episódio, com ênfase nas falas dos personagens. Lembro que minha grafia para Joxer era “Jókser”! E eu por anos revisei as páginas daqueles caderninhos preenchidos com letra garranchada e erros ortográficos, descobrindo minha aptidão para a escrita

durante a inconsciente tarefa de deixar registrado em algum lugar as façanhas de Xena. Ao aperfeiçoar meu perfil de escritor, eu estava me moldando naquele cara que futuramente seria chamado de “Bardo” por outros amantes da série.

 

Lembro que minha mãe me dava ordem de ir dormir pontualmente às 22:00, mas às 23:59 eu saía escondido de debaixo das cobertas e, gatuno, ligava a TV num volume bem baixinho pra assistir a reprise da meia-noite! Por Xena, eu me arriscava a tomar uma épica surra por estar fora da cama.

 

Recordo-me de uma tarde em especial… eu estava assistindo ao USA Movie, que começava às 16:00, e ia comendo um lanche quando parei no ato de mastigar: o intervalo comercial de repente assumira uma aura esplendidamente mais interessante que o próprio filme, pois estava passando uma chamada para o próximo episódio de Xena! E a voz do narrador ecoa agora na minha mente: “Hoje, em Xena… Esperança, a filha maligna de Gabrielle, está de volta, e desta vez não está sozinha…” – daí aparecia a Callisto! – “não perca Xena – a Princesa Guerreira, hoje, às 7 da noite, na Rua 13.” E eu corria a contar pra minha mãe! Lembro-me também de quando Hercules estreou no USA, anos depois de Xena, e passou a chamada para o episódio “The Warrior Princess”, e saí berrando porta afora atrás de minha mãe, que estava com uma enxada na lavoura, pra contar que naquele dia passaria o episódio em que Xena lutava contra o Hércules! Sem mentira: eu ficava muito agitado, como pinhão na chapa quente.

 

E aquela noite de abril… “é tempo de despedida no USA…”. Nove da noite marcando no relógio e minha mãe e eu sentadinhos pra assistir o derradeiro episódio de Xena. E lembro que fiquei envergonhado por estar lacrimejando quando aquele sol se põs devagarinho, e aquele navio velejou para longe numa tela que escureceu…

 

As reprises de Xena foram até meados de 2003 no canal USA, que decidiu reformular a temática de sua programação: removeu os programas de fantasia para estabelecer-se com uma grade de seriados médicos e investigativos. Depois disso, vazio. Eu não tinha a série gravada em VHS, meu videocassete não era dos bons. O tempo passou, e sempre que eu tinha acesso à Internet, nos cursos de Informática ou na casa de minha tia, eu buscava fotos sobre Xena, pra matar a saudade. Realmente achei que minha amada série pertencia ao passado.

 

Nesses meus anos de xenitismo, virei perito em enfrentar pessoas que não entendem por que sou xenite… Gente que veste camiseta colorida, senta em arquibancada de estádio de futebol, sabe o nome e histórico de cada jogador de cada time do campeonato, e reconhece o capitão mesmo ele sendo um pontinho minúsculo correndo atrás de uma bola lá no meio daquele campo enorme. E xingam o juiz, e agridem torcedores do time adversário… No seu ambiente de trabalho, na faculdade, na mesa do bar, se tu sabes falar de futebol, tu logo se faz à vontade numa roda de conversa, sem medo de se sentir “sobrando”. Agora, experimente falar de Xena no meio de um grupo de entusiastas de futebol… Eles não compreendem que Xena é a camisa que eu visto, o time para o qual eu não apenas grito torcida, mas do qual me faço jogador. Por que as pessoas acham que a paixão deles por esporte é mais lógica e natural que o meu amor por essa série? Eu que não entendo que lições de vida o futebol ensina a eles, se é que eles estão mesmo preocupados em aprender alguma coisa, mas eu penso que se tu não tiras vantagens daquela coisa que tu tanto amas, benefícios que possam te enriquecer como ser humano, da aonde mais tu irás tirar?

 

Xena tem tantos trunfos pra qualquer pessoa gostar dela! A lista é imensa: as paisagens paradisíacas da Nova Zelândia, os roteiros de ação, drama, romance e comédia. Temos a mitologia, as culturas, os figurinos, a bela trilha sonora composta por Joseph LoDuca. Temos também as lutas bem coreografadas e a interpretação de Lucy Lawless, Renée O'Connor, Hudson Leick e tantos outros talentos.

 

Aí em fevereiro de 2006 o canal aberto Rede Record aparece com Xena – a Princesa Guerreira em sua programação vespertina! Eu, que estava sem assistir Xena desde 2003, fiquei em êxtase! E foi a época em que ganhei meu primeiro computador, adentrei o Orkut, e descobri que eu nunca tinha estado sozinho em meu amor à Xena e Gabrielle: eu só me localizava distante de outros legionários iguais a mim!

 

E o que dizer do fandom xenite? Gente que desde criança sobe em árvores, maneja espadas e cajados artesanais, lança chakrams de sucata, dá saltos acrobáticos, desenha e faz montagens com os personagens, escreve fanfics… Somos uma nação de artistas! Todos mantemos vívida a chama desse imortal seriado noventista. E é maravilhoso trocar ideias com outros cérebros fervilhantes que entendem da coisa, porque SEMPRE surge algum ângulo que ainda não foi analisado em Xena, e o papo rende por horas. E graças a essa ferramenta Internet, podemos manter contato! A exemplo disso, temos a Revista Xenite, sempre com muitos artigos recheados de conteúdo divertido e apaixonado, produzido de fãs para fãs, e também a comunidade do Orkut, onde os tópicos refletem nossa veia fanática.

 

Foi por causa de Xena que já recebi o grande xenite paulista Pow como hóspede aqui na minha casa, pra assistir e vibrar comigo! Xena foi o motivo pelo qual eu embarquei pela primeira vez num avião, justamente pra ir visitar o Pow! E meses depois, “voei” de novo, dessa vez ao lado de outro xenite – o portoalegrense Alessandro -, para visitar Chapo, Diéli e Déh, dentre tantos outros xenites presentes no Encontro, em São Paulo. A emoção de estar na companhia dos “nossos” é in-des-cri-tí-vel (assim mesmo, com sílabas separadas), porque o brilho que eu vi nos olhos dos meus amigos eu sabia que eles também estavam vendo nos meus. Foi Xena quem me fez encontrar uma nova família, que partilha mais do que apenas assuntos xeníticos: assumimos caráter de IRMÃOS, que encurtam distâncias geográficas com o carinho que cresce no coração. E TENHO que citar nomes aqui, porque nesse fandom eu ganhei um melhor amigo, o Pedro Henrique, e três irmãs: Déh, Chapo e Thalita. E somos uma galera numerosa: Rodrigo, Diéli, Doug, Mary Anne, Ary, Tito, André, Yannara, Tainara, Natasha, Ana Paula, Herz, Giselle, Ruanna, SsenaT, Samira, Shion, Mayara, Jasson, Cássio, Cláudia, Alessandro, Adan, Etinex… E, por fim, falando de novo nele, descobri o Pow (e ele me descobriu!), que é a pessoa mais bondosa e atenciosa que já conheci.

 

Nunca vou esquecer daquelas tardes de Inverno de rachar bigode aqui do Sul, onde eu sentava do lado do fogão a lenha comendo grostoli pra assistir Xena. Ou dos crepúsculos calorosos, onde por causa do horário de verão anoitecia mais tarde, junto com o finalzinho do episódio, e eu saía pro gramado do pátio aqui de casa, junto do Duque, meu falecido cão, pra treinar com meu cabo de vassoura (a.k.a. Cajado). O giro das estações me ajuda a recordar daqueles tempos, memória sensorial, age na pele. E às vezes visito os sebos aqui da cidade pra ver se encontro revistas dos anos 90 que falem da série.

 

Xena pode ter entrado à toa na minha vida, mas não foi por acaso que ela permaneceu. A série não moldou o homem que eu sou, mas certamente me colocou em contato com tudo aquilo que eu precisava me tornar. Entrei em sintonia com verdades sobre mim mesmo que jaziam latentes, e que talvez nunca despertassem se eu não tivesse encontrado Xena.

 

 

E aqui estou eu, rumo ao 16° aniversário, junto de vocês, meus amigos xenites!

 

Como este artigo me fez beber da minha infância, eu o dedico ao Thuy, o xenite mais jovem e encantador que Deus me deu a bênção de poder conhecer pessoalmente. Saudades de ti, guri…

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3 Comments

  • Eliel

    Cara você descreveu tudo oque eu realmente sindo quando penso na Xena, isso foi muito emocionante, sou mega fã da Xena ela é um modo de vida, aprendi muitas coisas com ela coisas reais, mas nunca encontrei outro(a) xenite… isso foi uma pena porque eu não tive com quem compartilhar meus sonhos, minha paixão meu legado…Parabéns gostei muito mesmo!

  • Rafaela Barreto

    Que artigo bem escrito, e como tanta paixão que só pode ser entendia e compartilhada entre Xenites.Gostei e me identifiquei muito 😀